domingo, 27 de maio de 2012

A minha mais Longa e Louca Aventura – UTSM 100km São Mamede Portalegre


Quando em janeiro tive a coragem para me inscrever nesta aventura, sabia que tinha que me preparar o mínimo possível, física e psicologicamente para isso contava com a ajuda do meu Brito que teve a coragem de se inscrever no dia 1 de Janeiro. Fizemos vários treinos entre os 30 e 45 km no percurso dos trilhos do Almourol e também com o amigo Aníbal Godinho nos trilhos do Almonda, com várias provas pelo caminho (Laminha, Abutres, Castelejo, Sicó, Vale de Barris, Arribas do Tejo, São Bartolomeu) dava para estar preparada o mínimo. A semana que antecedeu esta prova passou com muita ansiedade, a conversa ia sempre dar aos 100 km, tentando que nada ficasse esquecido.
Partimos do Entroncamento 7 Corajosos aventureiros com o nosso amigo Henrique Narciso que se disponibilizou para nos acompanhar e conduzir a carrinha nesta odisseia (pois por motivo de doença teve que cancelar a sua inscrição nesta prova).
Eu dormitei pelo caminho, só queria era chegar e começar a correr. Quando chegámos, levantamos os peitorais e ouvimos os últimos os conselhos da Vitorina Mourato, entretanto começou a chover, não estava fácil. Finalmente uma aberta para tirar a foto de grupo e algumas fotos com amigos. Chegam as 4 h da manhã, o tiro de partida é dado, sigo com o meu colega João Martins para fazer o mais possível de kms juntos. Vários amigos me dão força sabendo que sou uma novata nestas andanças. E eu pensei agora não há mais nada a fazer só correr até onde puder e chegar novamente aqui. Começa a chover só parando algumas horas depois, o frio fazia-nos companhia, ao longo do percurso encontramos vários rebanhos de gado os nossos frontais faziam brilhar dezenas de olhinhos. É maravilhoso correr ao nascer do sol! Finalmente a chuva parou. Encontrei tantos e vários amigos ao longo do percurso o Joaquim Adelino, o Fernando Morais a Célia Azenha, a Ana Paula o António Almeida, o Francisco Bossa e muitos mais, eu dizia para o João Martins isto está a ir rápido demais e ele concordava. Chegamos à 1ª grande subida das antenas (30km) e quem tinha bastões logo se distanciou de mim, era vê-los a galgar caminho. Finalmente as antenas com tanto nevoeiro nem se viam, encontramos o nosso 3º abastecimento um sr. muito simpático ao ver o meu nº de peitoral diz  “aqui está a Otília Leal das srª mais simpáticas do mundo dos trilhos” fiquei tão emocionada, pois gente simpática havia neste abastecimento e nos outros, uma srª fantástica ofereceu–me um cafezinho soube tão bem, era tratamento especial só para as Sr.ªs disse-me ela.
Neste abastecimento estava o Henrique a dar-nos coragem e a tirar fotos, dando força para os km que faltavam. Partimos por uma descida de BTT muito fixe e vou conversando com o João. Os kms vão passando, chegamos à barragem da Apartadura (adoro este nome) no abastecimento encontro o Rui Pedras que come um pãozinho com febras e me faz fazer o mesmo. Ele sai, seguido logo por nós que vamos falando das suas aventuras. O percurso ora sobe, ora desce, com cores e cheiros fantásticos, nas descidas o João começa a ficar para trás e eu vou indo embora (adoro descer). Uma placa muito gira indica-nos que chegamos ao Gavião e somos Bem-vindos! Passo um grupo de 3 atletas e o Rui Pedras também fica para trás vou gritando pelo João para ele não me perder completamente e de repente vejo a carrinha do CLAC com alguém lá dentro com um corta-vento amarelo o meu coração fica apertadinho será o meu Brito…
Não era o Brito, era o Mário Salgueiro com uma dor terrível num joelho tento que ele continue nem que seja a caminhar um bocado, “não dá” diz-me ele, entretanto o Henrique diz “olha que o Brito também vais desistir, está a tua espera no próximo abastecimento também lhe dói muito uma perna” fico sem palavras, conversamos tanto sobre ultrapassar os nossos limites e suportar as nossas dores! Sigo o percurso agora em alcatrão e a subir até chegar ao abastecimento dos 48 km e lá está o Brito a coxear de uma perna, diz-me que nem a caminhar consegue continuar, fico tão triste! Abasteço e ali vou eu com receio do que me pode acontecer numa prova destas tão longa, tudo é possível! Apanho outra vez o Rui Pedras que tinha perdido pouco tempo no abastecimento e lá vamos algum tempo juntos, entretanto ele vai ficando para trás e começo a ver a vila de Marvão, passo a ribeira e lá vamos nós mais uma vez a subir, faço vários km sozinha até encontrar o David Ferreira e mais um amigo novato nos 100 km. A estrada é feita de pedras e sempre a subir, vamos dando a volta a metade de Marvão até que o David fica à espera do amigo que tinha ficado para trás e me diz “para seguir em frente e fazer a minha prova”. Vou seguindo e subindo um morro fantástico de tão íngreme até entrar finalmente na porta da TRAIÇÃO e depois é sempre a descer e a correr dentro desta Vila maravilhosa de Marvão até ao abastecimento. Eu a chegar e a Célia Azenha a ir embora. Como uma sopinha e mudo de roupa perco aqui muito tempo a casa de banho estava ocupadíssima. Entretanto o meu colega João Martins tinha chegado e eu resolvo esperar mais um pouco por ele e partirmos novamente juntos. No entanto como tínhamos subido muito, agora tínhamos que descer aquelas estradinhas todas empedradas do tempo dos romanos, e o João ficou novamente para trás. Os km vão passando o Brito vai-me telefonando para saber como eu estava, o cansaço começava a pesar mas a cabeça estava fresca! Encontro a Analice e vamos conversando ela diz-me “para a 1ª vez você vai muito bem, né”! Oferece-me um bastão, mas não quero, não vale a pena, pois não estava habituada. Vem mais uma subidinha e ouço o telefone é o Brito e pronto com a conversa lá perco eu a Analice de vista. Logo a seguir encontro o Álvaro Furtado num abastecimento que me diz que vai desistir que está magoado num pé, faltavam uns 30 km (34 km) tento motivá-lo e consegui! Fizemos depois 2 ou 3 km juntos. 
E vou seguindo até encontrar o abastecimento dos 74km (o meu GPS marcava 76km) lá estava o Henrique preocupado com todos nós, a alertar-me para a descida de cordas. Subo os degraus da capelinha, lá em cima uma vista magnífica de castelo de Vide, aguardo que o Paulo Trindade desça, acho estranho ele estar ali! Agarro - me à corda e desço, até não correu mal.
O abastecimento tem uns bolinhos fantásticos o Paulo diz-me que está muito mal de um pé! Saímos os dois quase ao mesmo tempo, ele diz-me que vai tentar acompanhar-me…… digo-lhe que a partir daqui a coisa vai ser lenta, mas parece que é o mais indicado para ele. Caminhamos sempre seja a descer, no plano, ou a subir. As paisagens são por vezes fantásticas, chão coberto por ouriços de castanhas, estradas de pedras, rochedos, árvores queimadas, campos de gado, bostas de gado…. oiço o Paulo murmurar queixumes e por vezes a tentar cantarolar para se esquecer das dores. A dada altura já nem sei as horas, volta a chover, cai granizo, as mãos ficam geladas e receamos que se mantenha até ao fim. Mas a chuva passa e o sol volta. Os meus pés estavam cheios de bolhas por baixo, parece que caminho por cima de balões, as minhas coxas tinham facas a rasgarem os músculos (poucos, devido á minha genética) pois não vesti as coxas elásticas que trazia na mochila. Aos 92 km para mim (ainda faltavam 12km, estava escrito num papel) mais um abastecimento num local muito bonito, encontro novamente o David Ferreira e o seu amigo. A escuridão cai sobre nós, uma das meninas diz-me que tinha muitos amigos a darem-me força e a desejar sorte pelo link da organização! Como mais umas batatinhas, o Paulo muda as pilhas da lanterna suplente e lá vamos nós novamente, estradinhas boas para correr, mas não para nós, que continuamos a caminhar num passo rápido. Fomos passando uns riachos e transpondo alguns portões já fechados, subindo e descendo fazendo o percurso bem marcado que a organização tinha escolhido, a escuridão era total e eu pensava que bom que tinha companhia. Pensava no João, se teria a mesma sorte que eu, e tinha esperança que ele não desmotivasse. A certa altura pensei “nunca mais volto a esta, mas voltarei a fazer outra prova destas” tenho vontade de rir….. era sinal que a coisa não estava a correr mal! Recebo mais um telefonema era o meu filhote Vasco que me diz que está a acompanhar a minha prova e diz que estou muito bem! Fica triste por o pai ter ficado para trás. Digo-lhe que agora é a parte mais difícil. E que começa a ser mais lenta. Quando faltavam uns 5 kms para o final resolvo parar e “enfiar as coxas elásticas”! Foi muito difícil enfiá-las nas pernas, o Paulo esperava por mim. Em pouco tempo sinto um alívio tremendo e sei que se quiser consigo correr, mas não vale a pena ficar sozinha agora. Chegamos aos arredores de Portalegre várias vezes e contra a nossa vontade tínhamos que subir outra vez os montes e entrar no meio do mato, era desanimador, nunca mais via-mos o estádio. Quando por fim vimos marcados no alcatrão “falta 1 km” foi um alívio, um trilho muito técnico em que fomos descendo, um Sr. da organização fazia sinal de luzes a indicar o melhor caminho, finalmente o estádio ao nosso alcance, a distância vai diminuindo o estádio está mesmo ali, vejo o meu Brito a sair da carrinha para nos tirar umas fotos, que vontade tenho de chorar, consegui chegar ao FIM! O Paulo diz-me temos que acabar de mãos dadas e assim foi, nos últimos 100 metros corremos de mãos dadas para conseguir finalizar uns 104 km, de percurso maravilhoso e demasiado duro, que nem todos tiveram a coragem de percorrer e outros não tiveram a felicidade de acabar.
 Eu fui uma das Audazes, “Sonhei e Cheguei ao Fim”.

8 comentários:

PFernandes disse...

Um texto fabuloso da Atleta UltraTrailer Otilia Leal... duplos Parabéns!
(mais uma vez revivi a minha aventura, obrigado! :)

Ricardo Baptista disse...

Fantástico, Otília. Grande capacidade de sofrimento e superação. E o mais extraordinário foi a tua força mental para conseguires chegar ao fim depois de o Brito ter parado.
Parabéns.

J P Martins disse...

Fantastico,Fantastico!parabéns grande vitória!!!

J P Martins disse...

Fantastico,Fantastico!parabéns grande vitória!!!

joaquim adelino disse...

Grande guerreira, fixas um objectivo e não falhas por mais duro que ele seja. Parabéns

Jorge Branco disse...

Excelente relato, excelente prova! Eu que estou aqui todo moído de um míni trail de 11 Km sei quanta coragem e treino tem que se ter para fazer uma prova dessa dimensão.
Também já ultrapassei os 100 km em prova mas foi em estada agora numa prova de trail é algo de dimensão superior só ao alcance de gente com muita fibra e determinação.!
PARABÉNS!

António Almeida disse...

Parabéns pelo relato e pela prova.
Otília, a ultramaratonista.
Bj e abraço aos 4.
António

MPaiva disse...

Otília,

Só agora li o teu relato e não resisto a deixar um pequeno comentário, enaltecendo a tua força mental e a capacidade demonstrada em superar esse tremendo desafio.

Muitos, muitos parabéns!

bjs
MPaiva