segunda-feira, 20 de maio de 2013

100 km Ultra Trail de São Mamede – 18 Maio 2013

 “Inocência ou Estupidez”

Quando em Janeiro me deu a maluquice de voltar a inscrever-me nos 100 km de Portalegre foi porque pensava que na 1ª vez em 2012 talvez tivesse acabado os 100km por pura sorte de “principiante” com se costuma dizer, por isso tinha que tentar de novo para ter a certeza que era mesmo uma verdadeira Ultramaratonista. Com o passar do tempo e com a obrigação de fazer alguns treinos mais específicos e provas mais longas comecei a pensar que a minha “Inocência” de voltar a tentar ia virar mesmo era uma grande “Estupidez”! Tal era o medo!

A semana anterior ao grande objectivo foi de muita ansiedade, tentando organizar tudo para que nada faltasse durante a prova o pior era o São Pedro que não ajudava nada, cada vez mais frio e chuva. Chegando o grande dia partimos para Portalegre 3 amigos com desejos enormes de ultrapassar todos os obstáculos, Euzinha o Mário Salgueiro e o José Oliveira na companhia de 3 amigos que nos iam apoiar nos PACS durante toda a prova o Brito, o Lélio Ferreira e o César Ferreira.

Chegando a Portalegre, ao estádio onde estava localizado o grande evento fomos levantar o nosso Kit e encontrar muitos outros “atletas” doidos, que como eu se tinham metido nesta loucura, uns novatos como a Cristina Guerreiro e a Susana Brás que estavam nervosas e ansiosas ou outros que já tinham feito 100km mas noutros locais e tinham ouvido dizer que estes 100km de Portalegre não eram pêra doce, outros já especialistas nestas andanças que se iam rindo dos nervos do novatos. Chego a hora despeço-me do meu Brito oiço os seus últimos conselhos e vou para a partida com um dos meus colegas de treino que ia fazer-me companhia António Leitão.

Ás 00h00 é dada a partida e os nervos passam, agora só resta correr/ caminhar os 100km e estar de volta ao estádio outra vez com Alegria e Dignidade num tempo razoável. O meu objectivo era chegar, se conseguisse melhorar o tempo do ano passado seria excelente (104 km em 19h58) se fosse igual não era mau! Mas nestas provas eu com a minha pouca experiência sei que as coisas nem sempre correm como planeamos, por isso eu nunca tenho grandes objectivos, prefiro ir ao sabor dos ventos e trilhos.

Parece mentira mas os kms passam rápido, num instantinho passamos pelo PAC 1 (Viveiro Florestal), e pelo PAC 2 (Alegrete, 17 km), a única coisa má era que me doía muito o meu estômago tanto fazia comer ou beber tinha mesmo muitas dores. Tentei esquecer as dores cantarolando na minha cabeça a canção dos Fun – Carrie on que me acompanhou até ao fim da prova!

O frio era cada vez mais, começamos a subir para as antenas o nevoeiro e o vento fazia-me gelar, cheguei lá acima aos 30 kms com 4h59, lá estava o Brito, o Lélio e o César a perguntarem como me sentia, ajudaram-me a tirar as pedras das sapatilhas, bebi dois cafezinhos e comi bolo (estes abastecimentos eram fantásticos!) e lá fui embora pois não se podia perder muito tempo, descemos por uma descida muito técnica, aproveitei para correr para tentar aquecer.

A noite continuava, já estava farta de correr sem ver a paisagem, assim fico muito cansada física e mentalmente, chego finalmente à barragem da Apartadura, (PAC 4) 40 kms estão feitos em 6h40, eu sei que já disse isto mas torno a repetir ADORO este nome faz-me sentir “apertadinha de cansaço” mas também “Reconfortada e Feliz” pois a beleza daquele lugar e então naquela hora da manhã é fantástica. Mais um abastecimento excelente, como pão com chouriço assado, batatas fritas, bebo coca-cola, café, água é uma mistura explosiva mas foi a partir daqui que a minha dor de estômago me deixou em paz e lá vou eu outra vez para mais uma etapa, abastecimento a abastecimento, lá vou cada vez mais longe! Chego à aldeia do Gavião este ano por outro local, vou correndo sempre nas descidas e no plano, devagarinho claro.

Chego a Porto de Espada mais um abastecimento, bifanas quentinhas, tão bem que me soube mais coca-cola, abasteço o meu camelback com água e lá vou outra vez. Vou vendo Marvão a aproximar-se, que vista maravilhosa, sinto-me uma Sortuda por estes momentos únicos, passo a ribeira com água tão geladinha, tinha conseguido chegar ali sem ter molhado os pés (eheheh) mas ali não consegui evitar! Finalmente Marvão atravesso a estrada de alcatrão e lá vejo a porta da traição “malvada”, não havia outro local mais fácil para a colocar? Um senhor da organização incentiva-me e diz-me que vou muito bem com uma boa passada e com força (abençoados bastões deram-me muito jeito) o senhor deve dizer isto a todos os atletas que por ali passaram, mas soube bem ouvir estas palavras, logo a seguir oiço o meu nome era o Brito no cimo da porta da Traição a gritar por mim, começo logo a correr, pois era a descer, uma daquelas estradinhas romanas com pedras e mais pedras parecendo um verdadeiro puzzle, depressa se acaba a descida e começamos a subir aquele penhasco, do caraças, que faz o nosso coração bater a um ritmo alucinante, mas não parei, vou chegando ao pé do Brito que veio ter comigo a meio e me pergunta como estou, vou bem digo-lhe, devagarinho mas vou bem.

Passo pela porta e lá vou eu a correr por Marvão abaixo, encontro a Isabel que me diz que o António Almeida ainda está atrás de mim fico muito admirada, afinal até vou bem, apanho o Fernando Morais tiramos uma foto para recordar e sigo para o PAC 6, estão feitos 60km em 10h30, como a sopinha enquanto o Brito me vai buscar a mochila e me enche o camelback com água, esta ajuda é fundamental faz com que não perca tanto tempo como no ano passado. Troco de roupa e sapatilhas num cantinho da sala de almoço, e lá vou eu de novo, corro por ali abaixo tão contente, já só faltam 40 km são “amendoins”, ou não! Tudo pode acontecer em 40 km. Mas estes 60kms já são meus, e os tornozelos, joelhos e ancas já se queixam um pouco. Vou encontrando muitos atletas, mas faço vários kms sozinha, o meu colega de início já tinha ficado para trás antes de Marvão, mas não me faz diferença ir sozinha aproveito a paisagem e ralho com aquelas estradas de pedra a seguir ao PAC 7 de Carreiras, é a parte que menos gosto em toda a prova, quase sempre a subir fazem-me dizer vários adjectivos não muito dignos! Mas lá vou caminhando e trotando para o próximo PAC 8 e para a descida das pedras, e lá estão a Paula Fonseca e a Isabel Almeida a darem força a todos os atletas, são uma claque fantástica.

Desço as pedras muito bem, abasteço, e lá vou de novo, apanho um grande grupo de atletas, vamos correndo naqueles estradões (o ano passado já não conseguia correr ali) tenho companhia durante vários kms entretanto começa a chover mais ou menos no mesmo sítio que no ano anterior a única diferença é que era muito mais cedo, trovoada, granizo que grande companhia esta.

Entretanto tenho que parar para pôr spray nos meus tornozelos e em outras partes, e ir ao mato aliviar-me, fico de novo sozinha e lá cai mais outra carga de granizo desta vez do tamanho de “amêndoas” a minha sorte é que ia a passar perto de um local onde estava uma tenda para dar apoio aos atletas e foi lá que me resguardei, Ufa que sorte. Assim que parou lá vou de novo ainda chovendo, nestes estradões sou apanhada pela Joana Grácio e outro atleta que passam por mim correndo num ritmo muito confortável, que inveja o que eu não dava para correr assim! Eu também corria de vez em quando, mas corria 200 metros e andava 800 metros era uma grande diferença! Mas lá ia e sentia-me bem, sou apanhada pelo Rui Pedras, rimos-mos e conversamos, chegamos juntos ao PAC 9.

Lá esta de novo o Brito, a dar-me apoio, diz-me que estou muito bem, estão lá muitos atletas, aproveito para tirar mais umas pedras das sapatilhas, como pizza, o Rui saí rapidamente eu ainda fico mais um pouco, conforme abandono o abastecimento mais uma chuvada!

O percurso agora era em estradão, passamos mais uma ribeira, para meu alívio vamos para o lado contrário ao ano anterior, UFA já me safei daquelas subidas malucas, ou não! Vou correndo no alcatrão e em todas as descidas riu-me contente por este feito, consigo correr aos 93km URRA!

A meta aproximasse, subo para a última etapa a capela da Nossa Srª da Penha, está quase penso, quando caminho, caminho num bom ritmo vou apanhando de novo atletas, vejo os penhascos lá no cimo e receio se temos que ir mesmo lá ao cimo, mas felizmente não! Nova descida e o Brito no fim dela a gritar por mim, ele nem acreditava que eu já ali estava, consegui surpreende-lo desta vez. No último abastecimento, mal tive tempo de beber um golo de coca-cola mesmo pela garrafa e lá vou outra vez, última etapa, última volta, faltam 5 km diz o Brito não posso desistir agora se continuar assim vou fazer um tempo fantástico! Respiro e respiro de novo e assopro e desço todos os degraus a correr (era uma carrada deles) receio que me dêem cãibras mas tive sorte, acabam-se os degraus e que bom era estrada de alcatrão e a descer, corro num ritmo confortável com outro atleta, vamos ultrapassando outros atletas que já só conseguem caminhar (eu sei bem o que isso é) o Brito vai gritando por mim dentro do carro na estrada ao lado daquela onde eu vou a correr, levanto os bastões em sinal que o oiço e que estou bem, apetece-me chorar (mariquices) vou conseguir cumprir o meu objectivo num tempo que nunca tinha pensado possível! O meu colega vai indo, eu vou mais lenta, tenho que caminhar de novo senão estalo! O meu corpo já sente um enorme cansaço.

Avisto o Rui Pedras e penso, tens que o apanhar, passo mais dois espanhóis e corro de novo, o Lélio vem ao meu encontro e diz-me falta um km, está quase mas o rabo por vezes é mais difícil. Salto o muro para dentro da ribeira o Brito está do outro lado, corro e grito para o Rui Pedras esperar por mim ele ri-se e diz que não quer que os espanhóis o apanhem (ahahah) fazemos os 700metros (+ ou-) juntos e falamos da prova que estamos a acabar, concordamos que este ano foi mais fácil (para nós), e lá estamos no estádio de onde tínhamos saído há tanto tempo! O Rui não acha graça a ter que dar uma voltinha ao estádio e fica para trás, eu vou correndo com emoção e a lagriminha no cantinho do olho.

Consegui de novo, afinal não foi sorte de principiante, foi mesmo Coragem, Persistência, algum trabalho e uma grande dose de Loucura!

100km em 17h54´, (menos 2h04 do ano passado), ganhei uma medalha de cortiça de Finisher, um tropeço de prémio de 10ª da geral feminina e um excelente Empeno no meu corpinho, e recordações maravilhosas deste grande Evento, excelente organização, tudo 10 estrelas!

Agradeço o apoio dos 2 amigos Lélio e César Ferreira e ao meu Brito que foi incansável no apoio que me deu ao longo destes 100km!

A todos os atletas que tiveram a coragem de estar na partida e a capacidade de chegar ao Fim os meus Parabéns!

Aqueles que tiveram a coragem de estar na partida e por algum motivo não puderam chegar ao Fim, não desistam, novos objectivos serão traçados e cumpridos!

E eu não caibo em mim de contente!

“IUPI, IUPI, sou outra vez Ultramaratonista”
 
 
Saudações Trailianas
Otília Leal