Quando em Janeiro me deu a maluquice de voltar a
inscrever-me nos 100 km de Portalegre foi porque pensava que na 1ª vez em 2012
talvez tivesse acabado os 100km por pura sorte de “principiante” com se costuma
dizer, por isso tinha que tentar de novo para ter a certeza que era mesmo uma
verdadeira Ultramaratonista. Com o passar do tempo e com a obrigação de fazer
alguns treinos mais específicos e provas mais longas comecei a pensar que a
minha “Inocência” de voltar a tentar ia virar mesmo era uma grande “Estupidez”!
Tal era o medo!
A semana anterior ao grande objectivo foi de muita
ansiedade, tentando organizar tudo para que nada faltasse durante a prova o
pior era o São Pedro que não ajudava nada, cada vez mais frio e chuva. Chegando
o grande dia partimos para Portalegre 3 amigos com desejos enormes de
ultrapassar todos os obstáculos, Euzinha o Mário Salgueiro e o José Oliveira na
companhia de 3 amigos que nos iam apoiar nos PACS durante toda a prova o Brito,
o Lélio Ferreira e o César Ferreira.
Chegando a Portalegre, ao estádio onde estava
localizado o grande evento fomos levantar o nosso Kit e encontrar muitos outros
“atletas” doidos, que como eu se tinham metido nesta loucura, uns novatos como
a Cristina Guerreiro e a Susana Brás que estavam nervosas e ansiosas ou outros
que já tinham feito 100km mas noutros locais e tinham ouvido dizer que estes
100km de Portalegre não eram pêra doce, outros já especialistas nestas andanças
que se iam rindo dos nervos do novatos. Chego a hora despeço-me do meu Brito
oiço os seus últimos conselhos e vou para a partida com um dos meus colegas de
treino que ia fazer-me companhia António Leitão.
Ás 00h00 é dada a partida e os nervos passam, agora
só resta correr/ caminhar os 100km e estar de volta ao estádio outra vez com
Alegria e Dignidade num tempo razoável. O meu objectivo era chegar, se
conseguisse melhorar o tempo do ano passado seria excelente (104 km em 19h58)
se fosse igual não era mau! Mas nestas provas eu com a minha pouca experiência
sei que as coisas nem sempre correm como planeamos, por isso eu nunca tenho
grandes objectivos, prefiro ir ao sabor dos ventos e trilhos.
Parece mentira mas os kms passam rápido, num
instantinho passamos pelo PAC 1 (Viveiro Florestal), e pelo PAC 2 (Alegrete, 17 km), a única coisa má era que me
doía muito o meu estômago tanto fazia comer ou beber tinha mesmo muitas dores.
Tentei esquecer as dores cantarolando na minha cabeça a canção dos Fun – Carrie on que me acompanhou até ao
fim da prova!
O frio era cada vez mais, começamos a subir para as
antenas o nevoeiro e o vento fazia-me gelar, cheguei lá acima aos 30 kms com
4h59, lá estava o Brito, o Lélio e o César a perguntarem como me sentia,
ajudaram-me a tirar as pedras das sapatilhas, bebi dois cafezinhos e comi bolo
(estes abastecimentos eram fantásticos!) e lá fui embora pois não se podia
perder muito tempo, descemos por uma descida muito técnica, aproveitei para
correr para tentar aquecer.
A noite continuava, já estava farta de correr sem
ver a paisagem, assim fico muito cansada física e mentalmente, chego finalmente
à barragem da Apartadura, (PAC 4) 40 kms estão feitos em 6h40, eu sei que já
disse isto mas torno a repetir ADORO este nome faz-me sentir “apertadinha de
cansaço” mas também “Reconfortada e Feliz” pois a beleza daquele lugar e então naquela
hora da manhã é fantástica. Mais um abastecimento excelente, como pão com
chouriço assado, batatas fritas, bebo coca-cola, café, água é uma mistura
explosiva mas foi a partir daqui que a minha dor de estômago me deixou em paz e
lá vou eu outra vez para mais uma etapa, abastecimento a abastecimento, lá vou
cada vez mais longe! Chego à aldeia do Gavião este ano por outro local, vou
correndo sempre nas descidas e no plano, devagarinho claro.
Chego a Porto de Espada mais um abastecimento,
bifanas quentinhas, tão bem que me soube mais coca-cola, abasteço o meu
camelback com água e lá vou outra vez. Vou vendo Marvão a aproximar-se, que
vista maravilhosa, sinto-me uma Sortuda por estes momentos únicos, passo a
ribeira com água tão geladinha, tinha conseguido chegar ali sem ter molhado os
pés (eheheh) mas ali não consegui evitar! Finalmente Marvão atravesso a estrada
de alcatrão e lá vejo a porta da traição “malvada”, não havia outro local mais
fácil para a colocar? Um senhor da organização incentiva-me e diz-me que vou
muito bem com uma boa passada e com força (abençoados bastões deram-me muito
jeito) o senhor deve dizer isto a todos os atletas que por ali passaram, mas
soube bem ouvir estas palavras, logo a seguir oiço o meu nome era o Brito no
cimo da porta da Traição a gritar por mim, começo logo a correr, pois era a
descer, uma daquelas estradinhas romanas com pedras e mais pedras parecendo um
verdadeiro puzzle, depressa se acaba a descida e começamos a subir aquele
penhasco, do caraças, que faz o nosso coração bater a um ritmo alucinante, mas
não parei, vou chegando ao pé do Brito que veio ter comigo a meio e me pergunta
como estou, vou bem digo-lhe, devagarinho mas vou bem.
Passo pela porta e lá vou eu a correr por Marvão
abaixo, encontro a Isabel que me diz que o António Almeida ainda está atrás de
mim fico muito admirada, afinal até vou bem, apanho o Fernando Morais tiramos uma
foto para recordar e sigo para o PAC 6, estão feitos 60km em 10h30, como a
sopinha enquanto o Brito me vai buscar a mochila e me enche o camelback com
água, esta ajuda é fundamental faz com que não perca tanto tempo como no ano
passado. Troco de roupa e sapatilhas num cantinho da sala de almoço, e lá vou
eu de novo, corro por ali abaixo tão contente, já só faltam 40 km são “amendoins”,
ou não! Tudo pode acontecer em 40 km. Mas estes 60kms já são meus, e os
tornozelos, joelhos e ancas já se queixam um pouco. Vou encontrando muitos
atletas, mas faço vários kms sozinha, o meu colega de início já tinha ficado
para trás antes de Marvão, mas não me faz diferença ir sozinha aproveito a
paisagem e ralho com aquelas estradas de pedra a seguir ao PAC 7 de Carreiras,
é a parte que menos gosto em toda a prova, quase sempre a subir fazem-me dizer
vários adjectivos não muito dignos! Mas lá vou caminhando e trotando para o
próximo PAC 8 e para a descida das pedras, e lá estão a Paula Fonseca e a Isabel
Almeida a darem força a todos os atletas, são uma claque fantástica.
Desço as pedras muito bem, abasteço, e lá vou de
novo, apanho um grande grupo de atletas, vamos correndo naqueles estradões (o
ano passado já não conseguia correr ali) tenho companhia durante vários kms
entretanto começa a chover mais ou menos no mesmo sítio que no ano anterior a
única diferença é que era muito mais cedo, trovoada, granizo que grande
companhia esta.
Entretanto tenho que parar para pôr spray nos meus
tornozelos e em outras partes, e ir ao mato aliviar-me, fico de novo sozinha e
lá cai mais outra carga de granizo desta vez do tamanho de “amêndoas” a minha
sorte é que ia a passar perto de um local onde estava uma tenda para dar apoio
aos atletas e foi lá que me resguardei, Ufa que sorte. Assim que parou lá vou
de novo ainda chovendo, nestes estradões sou apanhada pela Joana Grácio e outro
atleta que passam por mim correndo num ritmo muito confortável, que inveja o
que eu não dava para correr assim! Eu também corria de vez em quando, mas
corria 200 metros e andava 800 metros era uma grande diferença! Mas lá ia e
sentia-me bem, sou apanhada pelo Rui Pedras, rimos-mos e conversamos, chegamos
juntos ao PAC 9.
Lá esta de novo o Brito, a dar-me apoio, diz-me que
estou muito bem, estão lá muitos atletas, aproveito para tirar mais umas pedras
das sapatilhas, como pizza, o Rui saí rapidamente eu ainda fico mais um pouco,
conforme abandono o abastecimento mais uma chuvada!
O percurso agora era em estradão, passamos mais uma
ribeira, para meu alívio vamos para o lado contrário ao ano anterior, UFA já me
safei daquelas subidas malucas, ou não! Vou correndo no alcatrão e em todas as
descidas riu-me contente por este feito, consigo correr aos 93km URRA!
A meta aproximasse, subo para a última etapa a
capela da Nossa Srª da Penha, está quase penso, quando caminho, caminho num bom
ritmo vou apanhando de novo atletas, vejo os penhascos lá no cimo e receio se
temos que ir mesmo lá ao cimo, mas felizmente não! Nova descida e o Brito no
fim dela a gritar por mim, ele nem acreditava que eu já ali estava, consegui
surpreende-lo desta vez. No último abastecimento, mal tive tempo de beber um
golo de coca-cola mesmo pela garrafa e lá vou outra vez, última etapa, última
volta, faltam 5 km diz o Brito não posso desistir agora se continuar assim vou
fazer um tempo fantástico! Respiro e respiro de novo e assopro e desço todos os
degraus a correr (era uma carrada deles) receio que me dêem cãibras mas tive
sorte, acabam-se os degraus e que bom era estrada de alcatrão e a descer, corro
num ritmo confortável com outro atleta, vamos ultrapassando outros atletas que
já só conseguem caminhar (eu sei bem o que isso é) o Brito vai gritando por mim
dentro do carro na estrada ao lado daquela onde eu vou a correr, levanto os
bastões em sinal que o oiço e que estou bem, apetece-me chorar (mariquices) vou
conseguir cumprir o meu objectivo num tempo que nunca tinha pensado possível! O
meu colega vai indo, eu vou mais lenta, tenho que caminhar de novo senão estalo!
O meu corpo já sente um enorme cansaço.
Avisto o Rui Pedras e penso, tens que o apanhar,
passo mais dois espanhóis e corro de novo, o Lélio vem ao meu encontro e diz-me
falta um km, está quase mas o rabo por vezes é mais difícil. Salto o muro para
dentro da ribeira o Brito está do outro lado, corro e grito para o Rui Pedras
esperar por mim ele ri-se e diz que não quer que os espanhóis o apanhem
(ahahah) fazemos os 700metros (+ ou-) juntos e falamos da prova que estamos a
acabar, concordamos que este ano foi mais fácil (para nós), e lá estamos no
estádio de onde tínhamos saído há tanto tempo! O Rui não acha graça a ter que
dar uma voltinha ao estádio e fica para trás, eu vou correndo com emoção e a lagriminha
no cantinho do olho.
Consegui de novo, afinal não foi sorte de
principiante, foi mesmo Coragem, Persistência, algum trabalho e uma grande dose
de Loucura!
100km em 17h54´, (menos 2h04 do ano passado),
ganhei uma medalha de cortiça de Finisher, um tropeço de prémio de 10ª da geral
feminina e um excelente Empeno no meu corpinho, e recordações maravilhosas
deste grande Evento, excelente organização, tudo 10 estrelas!
Agradeço o apoio dos 2 amigos Lélio e César
Ferreira e ao meu Brito que foi incansável no apoio que me deu ao longo destes
100km!
A todos os atletas que tiveram a coragem de estar
na partida e a capacidade de chegar ao Fim os meus Parabéns!
Aqueles que tiveram a coragem de estar na partida e
por algum motivo não puderam chegar ao Fim, não desistam, novos objectivos
serão traçados e cumpridos!
E eu não caibo em mim de contente!
“IUPI, IUPI, sou outra vez
Ultramaratonista”
9 comentários:
Grande, grande Otília, a tua fibra diz tudo, gostei de te acompanhar nesta odisseia da escrita, no terreno vinha a cerca de duas horas, mas as sensações foram as mesmas. Espero para o ano desforrar-me, mas é para ti que tenho estas palavras de parabéns pela grande coragem e espírito de sacrifício com que atravessaste tamanhas dificuldades e concluíste. Desejo-te boa recuperação, porque a próxima já deve estar perto, penso eu. Bjs.
Parabéns! Absolutamente fantástico! Vou dar destaque no Último Quilómetro!
Parabéns! Absolutamente fantástico! Vou dar destaque no Último Quilómetro!
Obrigada pelas palavras amigas Joaquim, eu ainda estou empenada, os meus próximos objetivos são pequenos. Não tenho a sua coragem! Boa recuperação e até breve Beijinhos
Parabéns Ultra F16, grande máquina e com grande sentido de humor, estás uma senhora ultramaratonista.
Para o teu Brito aquele abraço.
Beijos para ti.
Com admiração,
António Almeida
Otília muitos parabéns, com este relato só dá vontade de voltar a repetir e se Deus quiser para o ano estamos lá outra vez.
Bravo, Otília. Grande campeã. Tiraste todas as dúvidas e és uma verdadeira ultramaratonista (já o serias mesmo que a tivesses feito apenas uma vez).
E sabes? já começo a ter "vergonha" de só fazer umas corridinhas da treta e acho que em 2014, vou ter de embarcar numa aventura dessas. Parabéns, Otília. És grande. Beijinho.
Muitos Parabéns pelo excelente relato de uma prova que deixará certamente uma boa recordação pois são as dificuldades que nos tornam mais fortes e mais determinados nos objectivos. E no final, a Meta que nos acolhe nestas loucuras mas sem as quais, não teríamos como dizer "Já lá estive!". Até à próxima "loucura"...
BEm...
Li este artigo, e Eu, macho latino que se preze e Homem feito com pêlo no peito... deveria ter alguma vergonha de admitir que me veio a lágrima ao canto do olho (mariquices)ao ver tamanha "Escelente" edscrição, daquilo que Eu gostaa de fazer (poder fazer) nos meus deminutos 41 aninhos e saber que não consigo. Os meus parabens e que sejam estendidos a todos os Grades triatletas proissionais, amadores e curiosos que atacam estas provas. Vou tentar os 25 km da Serra de Sicó... mas enquanto de me lembrar da minha extrema dificuldade em ultrapassar uns miseros 20 km em Santa Cita, Tomar, em que o meu corpo deixou me "apeado" 3 horas depois de eu terminar, fico com o nervosinho na barriga. Mas a ler estas aventuras e outras de outros Bravos corajosos, me leva a insistir. Prefiro estrada, sem duvida. Comecei em Setembro de 2013 e para ja só ataco provas até 25 km. Vamos a ver se em 2015 estou preparado psicologicamente (que fisicamente nunca se está) para tentar dominas os 100 km destes trilhos- QUERO DIZER: Já lá estive. e VOU DIZER !. Corajosa Mulher. Corajosas Mulheres que participaram. Corajosos Homens...todos umas MAQUINAS.
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