Quando em janeiro tive a coragem para me inscrever nesta aventura, sabia
que tinha que me preparar o mínimo possível, física e psicologicamente para
isso contava com a ajuda do meu Brito que teve a coragem de se inscrever no dia
1 de Janeiro. Fizemos vários treinos entre os 30 e 45 km no percurso dos
trilhos do Almourol e também com o amigo Aníbal Godinho nos trilhos do Almonda,
com várias provas pelo caminho (Laminha, Abutres, Castelejo, Sicó, Vale de
Barris, Arribas do Tejo, São Bartolomeu) dava para estar preparada o mínimo. A
semana que antecedeu esta prova passou com muita ansiedade, a conversa ia
sempre dar aos 100 km, tentando que nada ficasse esquecido.
Partimos do Entroncamento 7 Corajosos aventureiros com o nosso amigo
Henrique Narciso que se disponibilizou para nos acompanhar e conduzir a
carrinha nesta odisseia (pois por motivo de doença teve que cancelar a sua
inscrição nesta prova).
Eu dormitei pelo caminho, só queria era chegar e
começar a correr. Quando chegámos, levantamos os peitorais e ouvimos os últimos
os conselhos da Vitorina Mourato, entretanto começou a chover, não estava
fácil. Finalmente uma aberta para tirar a foto de grupo e algumas fotos com
amigos. Chegam as 4 h da manhã, o tiro de partida é dado, sigo com o meu colega
João Martins para fazer o mais possível de kms juntos. Vários amigos me dão
força sabendo que sou uma novata nestas andanças. E eu pensei agora não há mais
nada a fazer só correr até onde puder e chegar novamente aqui. Começa a chover
só parando algumas horas depois, o frio fazia-nos companhia, ao longo do
percurso encontramos vários rebanhos de gado os nossos frontais faziam brilhar
dezenas de olhinhos. É maravilhoso correr ao nascer do sol! Finalmente a chuva
parou. Encontrei tantos e vários amigos ao longo do percurso o Joaquim Adelino,
o Fernando Morais a Célia Azenha, a Ana Paula o António Almeida, o Francisco
Bossa e muitos mais, eu dizia para o João Martins isto está a ir rápido demais
e ele concordava. Chegamos à 1ª grande subida das antenas (30km) e quem tinha
bastões logo se distanciou de mim, era vê-los a galgar caminho. Finalmente as
antenas com tanto nevoeiro nem se viam, encontramos o nosso 3º abastecimento um
sr. muito simpático ao ver o meu nº de peitoral diz “aqui está a Otília Leal das srª mais
simpáticas do mundo dos trilhos” fiquei tão emocionada, pois gente simpática
havia neste abastecimento e nos outros, uma srª fantástica ofereceu–me um
cafezinho soube tão bem, era tratamento especial só para as Sr.ªs disse-me ela.
Neste abastecimento estava o Henrique a dar-nos coragem e a tirar fotos, dando
força para os km que faltavam. Partimos por uma descida de BTT muito fixe e vou
conversando com o João. Os kms vão passando, chegamos à barragem da Apartadura
(adoro este nome) no abastecimento encontro o Rui Pedras que come um pãozinho
com febras e me faz fazer o mesmo. Ele sai, seguido logo por nós que vamos
falando das suas aventuras. O percurso ora sobe, ora desce, com cores e cheiros
fantásticos, nas descidas o João começa a ficar para trás e eu vou indo embora
(adoro descer). Uma placa muito gira indica-nos que chegamos ao Gavião e somos
Bem-vindos! Passo um grupo de 3 atletas e o Rui Pedras também fica para trás
vou gritando pelo João para ele não me perder completamente e de repente vejo a
carrinha do CLAC com alguém lá dentro com um corta-vento amarelo o meu coração
fica apertadinho será o meu Brito…
Não era o Brito, era o Mário Salgueiro com uma dor
terrível num joelho tento que ele continue nem que seja a caminhar um bocado, “não
dá” diz-me ele, entretanto o Henrique diz “olha que o Brito também vais
desistir, está a tua espera no próximo abastecimento também lhe dói muito uma
perna” fico sem palavras, conversamos tanto sobre ultrapassar os nossos limites
e suportar as nossas dores! Sigo o percurso agora em alcatrão e a subir até
chegar ao abastecimento dos 48 km e lá está o Brito a coxear de uma perna, diz-me
que nem a caminhar consegue continuar, fico tão triste! Abasteço e ali vou eu
com receio do que me pode acontecer numa prova destas tão longa, tudo é
possível! Apanho outra vez o Rui Pedras que tinha perdido pouco tempo no
abastecimento e lá vamos algum tempo juntos, entretanto ele vai ficando para
trás e começo a ver a vila de Marvão, passo a ribeira e lá vamos nós mais uma
vez a subir, faço vários km sozinha até encontrar o David Ferreira e mais um amigo
novato nos 100 km. A estrada é feita de pedras e sempre a subir, vamos dando a
volta a metade de Marvão até que o David fica à espera do amigo que tinha
ficado para trás e me diz “para seguir em frente e fazer a minha prova”. Vou
seguindo e subindo um morro fantástico de tão íngreme até entrar finalmente na
porta da TRAIÇÃO e depois é sempre a descer e a correr dentro desta Vila
maravilhosa de Marvão até ao abastecimento. Eu a chegar e a Célia Azenha a ir
embora. Como uma sopinha e mudo de roupa perco aqui muito tempo a casa de banho
estava ocupadíssima. Entretanto o meu colega João Martins tinha chegado e eu
resolvo esperar mais um pouco por ele e partirmos novamente juntos. No entanto
como tínhamos subido muito, agora tínhamos que descer aquelas estradinhas todas
empedradas do tempo dos romanos, e o João ficou novamente para trás. Os km vão
passando o Brito vai-me telefonando para saber como eu estava, o cansaço
começava a pesar mas a cabeça estava fresca! Encontro a Analice e vamos
conversando ela diz-me “para a 1ª vez você vai muito bem, né”! Oferece-me um
bastão, mas não quero, não vale a pena, pois não estava habituada. Vem mais uma
subidinha e ouço o telefone é o Brito e pronto com a conversa lá perco eu a
Analice de vista. Logo a seguir encontro o Álvaro Furtado num abastecimento que
me diz que vai desistir que está magoado num pé, faltavam uns 30 km (34 km)
tento motivá-lo e consegui! Fizemos depois 2 ou 3 km juntos.
E vou seguindo até encontrar o abastecimento dos 74km (o meu GPS marcava 76km) lá estava o Henrique preocupado com todos nós, a alertar-me para a descida de cordas. Subo os degraus da capelinha, lá em cima uma vista magnífica de castelo de Vide, aguardo que o Paulo Trindade desça, acho estranho ele estar ali! Agarro - me à corda e desço, até não correu mal.
O abastecimento tem uns bolinhos fantásticos
o Paulo diz-me que está muito mal de um pé! Saímos os dois quase ao mesmo tempo,
ele diz-me que vai tentar acompanhar-me…… digo-lhe que a partir daqui a coisa
vai ser lenta, mas parece que é o mais indicado para ele. Caminhamos sempre seja
a descer, no plano, ou a subir. As paisagens são por vezes fantásticas, chão
coberto por ouriços de castanhas, estradas de pedras, rochedos, árvores
queimadas, campos de gado, bostas de gado…. oiço o Paulo murmurar queixumes e
por vezes a tentar cantarolar para se esquecer das dores. A dada altura já nem
sei as horas, volta a chover, cai granizo, as mãos ficam geladas e receamos que
se mantenha até ao fim. Mas a chuva passa e o sol volta. Os meus pés estavam
cheios de bolhas por baixo, parece que caminho por cima de balões, as minhas
coxas tinham facas a rasgarem os músculos (poucos, devido á minha genética) pois
não vesti as coxas elásticas que trazia na mochila. Aos 92 km para mim (ainda
faltavam 12km, estava escrito num papel) mais um abastecimento num local muito
bonito, encontro novamente o David Ferreira e o seu amigo. A escuridão cai
sobre nós, uma das meninas diz-me que tinha muitos amigos a darem-me força e a
desejar sorte pelo link da organização! Como mais umas batatinhas, o Paulo muda
as pilhas da lanterna suplente e lá vamos nós novamente, estradinhas boas para
correr, mas não para nós, que continuamos a caminhar num passo rápido. Fomos
passando uns riachos e transpondo alguns portões já fechados, subindo e
descendo fazendo o percurso bem marcado que a organização tinha escolhido, a
escuridão era total e eu pensava que bom que tinha companhia. Pensava no João,
se teria a mesma sorte que eu, e tinha esperança que ele não desmotivasse. A
certa altura pensei “nunca mais volto a esta, mas voltarei a fazer outra prova
destas” tenho vontade de rir….. era sinal que a coisa não estava a correr mal! Recebo
mais um telefonema era o meu filhote Vasco que me diz que está a acompanhar a
minha prova e diz que estou muito bem! Fica triste por o pai ter ficado para
trás. Digo-lhe que agora é a parte mais difícil. E que começa a ser mais lenta.
Quando faltavam uns 5 kms para o final resolvo parar e “enfiar as coxas
elásticas”! Foi muito difícil enfiá-las nas pernas, o Paulo esperava por mim. Em
pouco tempo sinto um alívio tremendo e sei que se quiser consigo correr, mas
não vale a pena ficar sozinha agora. Chegamos aos arredores de Portalegre
várias vezes e contra a nossa vontade tínhamos que subir outra vez os montes e
entrar no meio do mato, era desanimador, nunca mais via-mos o estádio. Quando
por fim vimos marcados no alcatrão “falta 1 km” foi um alívio, um trilho muito
técnico em que fomos descendo, um Sr. da organização fazia sinal de luzes a
indicar o melhor caminho, finalmente o estádio ao nosso alcance, a distância
vai diminuindo o estádio está mesmo ali, vejo o meu Brito a sair da carrinha
para nos tirar umas fotos, que vontade tenho de chorar, consegui chegar ao FIM!
O Paulo diz-me temos que acabar de mãos dadas e assim foi, nos últimos 100
metros corremos de mãos dadas para conseguir finalizar uns 104 km, de percurso
maravilhoso e demasiado duro, que nem todos tiveram a coragem de percorrer e
outros não tiveram a felicidade de acabar.
Eu fui uma das Audazes, “Sonhei e Cheguei ao Fim”.
8 comentários:
Um texto fabuloso da Atleta UltraTrailer Otilia Leal... duplos Parabéns!
(mais uma vez revivi a minha aventura, obrigado! :)
Fantástico, Otília. Grande capacidade de sofrimento e superação. E o mais extraordinário foi a tua força mental para conseguires chegar ao fim depois de o Brito ter parado.
Parabéns.
Fantastico,Fantastico!parabéns grande vitória!!!
Fantastico,Fantastico!parabéns grande vitória!!!
Grande guerreira, fixas um objectivo e não falhas por mais duro que ele seja. Parabéns
Excelente relato, excelente prova! Eu que estou aqui todo moído de um míni trail de 11 Km sei quanta coragem e treino tem que se ter para fazer uma prova dessa dimensão.
Também já ultrapassei os 100 km em prova mas foi em estada agora numa prova de trail é algo de dimensão superior só ao alcance de gente com muita fibra e determinação.!
PARABÉNS!
Parabéns pelo relato e pela prova.
Otília, a ultramaratonista.
Bj e abraço aos 4.
António
Otília,
Só agora li o teu relato e não resisto a deixar um pequeno comentário, enaltecendo a tua força mental e a capacidade demonstrada em superar esse tremendo desafio.
Muitos, muitos parabéns!
bjs
MPaiva
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